quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Tu, minha luz

Passaram-se 18 anos, mas relembro cada instante como se tivesse ocorrido ontem. 

Foi a época mais tranquila e linda na minha vida e ao mesmo tempo a que mais me marcou de forma negativa.

Fica difícil de compreender como numa altura em que nosso bebé nasce, podemos também sofrer às mãos de quem amamos, mas que infelizmente não nos ama e quer estar em qualquer lado menos ali.

Felizmente ultrapassei tudo e segui a vida, levada na corrente deste rio, que um dia me levará até ao mar. Tormentos haverão certamente, mas tal como tudo nesta vida, são fases e temos de aceitar e deixar fluir.

Afinal, por vezes não vale a pena remar contra a maré...

Mas não estou aqui hoje para expressar dores antigas, ou medos futuros. Estou aqui por minha filha Beatriz, que ontem fez 18 anos.

Filhota, 18 anos é um marco na vida de cada um de nós. Embora não consigas perceber verdadeiramente o peso e o impacto que terá na tua vida ( ainda não te sentes verdadeiramente adulta) a verdade é que a cada dia, daqui em diante, será pedido cada vez mais responsabilidade e terás de estar à altura.

Terás de lutar muitas vezes contra a corrente forte que te pode empurrar para situações, lugares ou pessoas que não desejas, mas que infelizmente será algo inevitável e vais perceber que é somente a vida a acontecer. Let it be.

Peço no entanto ao universo que te proteja, que te acarinhe no seu regaço e seja meigo contigo, pois já tiveste tua dose de sofrimento.

Eu amo-te mais do que tudo e tu representas o amor na minha vida. A luz no meu caminho. A felicidade.

Não te desvies pf do teu percurso, sê fiel às tuas convicções, mas tem a coragem de as mudar sempre que perceberes que estás errada. Luta e persiste. Não desistas e teu sonhos irão se concretizar.

E quanto mim, peço que te possa acompanhar por muitos e longos anos, antes que a vida me leve daqui

E não te esqueças minha querida, a mamã está aqui...

Love you girl to the moon and back.

Mom 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O meu silêncio

Aconselhei-te a ficar em silêncio. A não dizeres absolutamente nada. 
Como te conheço melhor do que ninguém eu sei que é o melhor que tens a fazer. Não abras a boca. Não dizes um ai. Aprende a dizer o fundamental, o necessário e sempre ligado ao essencial. 
Como é que não viste isto antes? Como é que pudeste achar que do outro lado residiam pessoas amigas? Não o são e nunca o foram. Tu até as cansaste com tuas merdas e medos e problemas. 
Céus mulher, onde estavas com a cabeça? Já deverias saber melhor que isto, certo? 
Então agora, de forma consciente, sabendo o que já sabes, sê, dentro da estrutura horária criada, aquilo que sabes que tens de ser e fazer. Nada mais para além disso. Nada mais. Não somos todos iguais miúda e tu já deverias ter essa informação presente 24/7. 
Não quero dizer que sejam más pessoas, apenas não digas mais nada... faz de tuas palavras ouro. Preciosas demais para serem distribuídas assim. 
Ou então miúda, usa a máxima, que embora um pouco fria e direta, é bem objetiva - "Se não tens nada construtivo para dizer, fica calada." O teu silêncio miúda, verás que é na verdade um tesouro.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Perdoar

Perdoar...é talvez o ato mais honrado que podemos ter para com alguém que nos magoou. Perdoar implica seguir em frente, mas certamente não se esquece, apenas aceitamos a situação e não deixamos mais que o que nos magoou, ou quem nos magoou nos cause dor, sofrimento ou aflição.

Por experiência própria, sei que perdoar, não implica que não se tenha cuidado com a pessoa que praticou os factos, ou que não se espere ingenuamente, que algo não volte a ocorrer. Ainda assim, perdoar é fundamental para a pessoa seguir em frente. Para não carregar mais um peso, que a vai prender a algo que não trás nada de saudável a ninguém.

Mas, mesmo tendo conhecimento lógico de tudo isto, por vezes, surgem situações e ações, que por serem tão nefastas, demasiado maldosas e cruéis, fica difícil perdoar e só o tempo é que ditará o sucesso ou não nesse perdão. Este tipo de situações, deixam sempre marcas e são situações que alteram quem somos, porque podemos até perdoar um dia, mas o estrago foi tão grande, a ferida foi tão profunda, que não cicatriza, fica exposta como uma ferida permanentemente ativa. Nessas situações, algo se quebra e não há mais volta ao que se era. Fica impossível. 

Contudo, e se tivermos sorte, podemos tirar algo de positivo de toda aquela situação e certamente a mudança que ocorre em muitos de nós, pode ser para melhor. Que talvez ajude a pessoa evoluir emocionalmente e em maturidade. Mas, existe o reverso. Existe a possibilidade de que a crueldade foi tanta para connosco, que não se recupera nunca, que o que resta de nós são fragmentos do que outrora fomos e mesmo tendo bem a noção de que nesta situação, deixamos que quem nos fez mal vença, é também certo de que, por vezes, não se consegue... simplesmente não se consegue...

Pessoalmente já perdoei e deixei ir, quem muito mal fez. Deixei ir e embora não possa dizer que  esqueci, ficou relegado para uma parte da minha mente onde já não tem relevância na minha vida. Com o tempo, só ficou, "É verdade, ele/ela fez isso...já nem recordo mais". Ocorreu isso com o pai da minha filha, com amigos, com pessoas de trabalho. E é bem verdade de que todos os dias estamos expostos a todo o tipo de pessoas e situações.

Mas, tem algo que, por mais que eu tente, que eu peça a Deus, ao universo, não consigo perdoar, esquecer ou deixar ir... A ferida é tão profunda como o oceano, e a determinada altura, a ferida perde-se na sua imensidão de maldade e crueldade, que não me deixa ver a razão e a lógica...não me deixa seguir em frente...

Todos os dias sou confrontada com esta maldade e crueldade. Todos os dias tenho de a encarar de frente e tem dias, que fica insuportável. Que sair da cama é um martírio, que fazer atividades diárias é um tormento e por vezes respirar fica difícil...e já nem vou abordar a temática dos ataques de ansiedade diários... Para muitos que possam ler estas palavras, podem achar que estou com depressão. Sim, talvez seja possível... mas a verdade é que alguém que eu mais admirava neste mundo, que era suposto proteger e cuidar, espetou uma faca metafórica nas minhas costas, e não satisfeito com o que fez, ainda rodou e rodou e rodou, para que a ferida que estava a causar fosse bem profunda, quase mortifica e ficasse bem aberta, exposta e difícil de cicatrizar. Quiçá ouso dizer que, foi feito assim para que ficasse permanente na minha vida, sem possibilidade de voltar ao que era um dia. Pois sei que daqui não há mais volta...

Então, eu não creio que a depressão possa ser o diagnóstico aqui, ainda que a dor do que estou a viver me atire para este desassossego constante e esta vontade imensa de terminar com tudo, ainda assim, o que eu estou a passar irei diagnosticar como um coração partido, daqueles que não se pode colar de volta, daqueles que ficam partidos em milhões de bocadinhos...daqueles que não há mais volta...ou pelo menos, não a consigo encontrar... 

Então por agora, sem fim à vista, no meio deste túnel escuro, onde só tenho por companhia esta dor e este sofrimento, dirijo-me a ti pai e pergunto-te, como pudeste ser tão cruel e egoísta e fazer tanta maldade com as tuas próprias filhas?...

Eu não te consigo perdoar...

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Desassossego

O ar sai com dificuldade e com mais dificuldade ainda ele entra nos pulmões. O sufoco é quase inevitável e a pressão no peito aumenta. O coração bate mais forte e o descontrole instalasse no corpo. Neste corpo já de si tão frágil.

Este desassossego que vai tirando o sono e encurtando o descanso. Transformando a noite num pesadelo  enervante, com os olhos abertos e a mente desperta. Mente essa que trabalha, trabalha e trabalha, mas não é produtiva.

Não há sossego...Não vem ninguém passar a mão pelo cabelo, dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem. E eu sei que não vai ficar tudo bem...

E aquele adamastor continua a assombrar nossas vidas...Circula ao nosso redor,  como um tubarão atrás da sua presa. Este adamastor que eu subestimei...como eu o pude subestimar?
Este adamastor foi sempre um monstro astuto...E ainda assim, é ao mesmo tempo um verme. Um verme viscoso, nojento, fedorento. 

Falham-me a forças, quebram-se perante a impotência da falta de justiça e uma lei cega. De uma fogueira de vaidade, ego, desejo, que nos transportou para o deserto seco da maldade humana.

E os dias passam, o desassossego aumenta e o túnel escuro alongasse na minha vida e eu não consigo sair. Não há perspectivas sequer de ver o fim dele. A tão desejada luz...

Tenho medo deste escuro. Sinto frio. Caminho devagar na incerteza, porque não vejo o chão. Não sei o que está há minha frente. Para onde foi a guerreira?

Deus, por favor...EU QUERO SAIR... 


terça-feira, 13 de julho de 2021

Meu amor por ti

 A minha vida mudou quando te descobri. Mais ainda quando te peguei no colo pela primeira vez. Tu és o meu tesouro. És a minha vida, o ar que respiro. És o meu norte e o meu sul, o meu alfa e meu ómega. És minha filha e nunca senti tanto medo de perder alguém, como tenho de te perder.

Sinto tuas dores, no entanto estou impotente perante elas, pois não tenho como sofrer por ti as mazelas que a vida te vai dando e por Deus, como ela tem sido tão má contigo, minha querida...

Ontem tive mais um susto, e aquela imagem da tua queda, provocada por teu desmaio, jamais vai abandonar minha mente. Pensei que te tinha perdido... E filha, se algum dia algo acontece contigo, eu morro. Não me refiro a ficar diferente, abatida, ou depressiva. Morro no pleno sentido da palavra. Minha vida só faz sentido contigo nela. Quero ver-te mulher adulta, a senhora Doutora. Quero estar no teu casamento, ao teu lado quando nascerem meus netinhos. Quero poder acompanhar-te como mãe pelo tempo que a vida determinou para mim...para ambas. E tenho tanto medo, neste caminho que percorro, porque percebo o quão frágil é nossa vida e que ela pode ter delineado planos curtos para ambas.

Agora ando assim, assustada a cada dor de cabeça, cada dor de barriga. Já sabia que ser mãe, seria minha ocupação a tempo inteiro. Mas a carga do medo de te perder, transformou essa ocupação, numa carga tão pesada...E eu amo-te tanto filha...tanto...

Deus permita que tua vida siga com paz, saúde e sucesso. Que daqui a cinco anos, sejas doutora e um dia possas abrir tua clinica, conforme tu desejas.

Ando permanentemente com o pedido incansável há vida, a Deus , ao Universo, que tua vida melhore, que sejas feliz, forte e que teus sonhos se realizem. Todos os dias esse é o meu desejo. Assim que acordo e último quando deito.

Porque meu amor por ti é maior que o mundo e tu és minha querida, todo o meu universo.

Beijinhos,

Mamã

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Só entende quem por lá passa...

Frequentemente julgamos os outros. Não o fazemos por mal, mas ao ouvir a descrição de uma situação ou acontecimento, temos tendência a julgar. Mas a meu entender, só quem passa verdadeiramente por coisas similares é que consegue realmente perceber.

Consegue sentir a dor e a emoção que envolve determinado tema ou acontecimento. Consegue não julgar apesar de por vezes o que se ouve ou se vê encaminhe para outro lado.

Houve várias tribulações na minha vida. Houve doença, um divorcio atribulado, a morte da minha mãe, o segundo casamento do meu pai e agora a situação em que ele se colocou e nos arrastou pelo meio. Sem dúvida que estas tribulações tiveram um impacto negativo na pessoa que hoje sou e cada uma delas tiveram um peso diferente na minha vida. A morte da minha mãe foi sem dúvida o que pior passei até hoje e não sou das que pensa que as desgraças acontecem só aos outros. Eu sei que o futuro pode ser ainda muito risonho ou nem por isso, mas sei que tenho de seguir em frente.

Mas, mesmo assim, no meio das tribulações tive tantas alegrias, o nascimento da minha filha sendo a maior delas. Sou tão grata ao universo por a ter.

Muitas dessas alegrias, vieram com o facto de ter crescido numa família unida. Numa mãe que sempre esteve presente e jamais deixou que cada uma de nós se sentisse menos amada por ela. Jamais.

Meu pai, esteve mais ausente, mas porque queria dar uma vida diferente e mais digna à sua família. Meu pai e minha mãe sonharem com uma vida mais estável financeiramente e quando meu pai comprou o terreno onde hoje está nossa casa de família teria eu talvez uns cinco a seis anos, minha mãe ficou tão feliz. Aos poucos idealizaram a casa e construíram tijolo a tijolo sozinhos. Aos fins de semana íamos para lá ajudar. Eu era pequena demais, mas minhas irmãs trabalharam lá imenso. A casa demorou imenso tempo a estar como está hoje, longe ainda de a considerar concluída. 

Fomos para lá morar num dia frio de inverno. Era de noite quando meu pai chegou com um camião e nos levou aos cinco para lá. Não tínhamos luz ainda, não tínhamos a casa pintada, nem no exterior, nem no interior, não havia sequer parapeitos nas janelas. As escadas para o andar de cima, não tinha corrimão e recordo da preocupação do meu pai em dizer-nos para subir e descer encostadas à parede para não haver perigo de cair. Aos poucos, todos juntos fomos criando um lar. Minha mãe, eu e minha irmãs, ficamos na casa a compor as coisas, enquanto meu pai tentava mantermos à tona da água financeiramente, trabalhando como emigrante na Suíça. 

Sempre que regressava meu pai maravilhava-se com os desenvolvimentos que fazíamos na casa. As cortinas, a decoração, os móveis. Meu pai quando vinha de férias vinha para um lar, que orgulhosamente sabia ser seu e da sua família. Quando estava connosco, pintávamos a casas; recordo quando meu pai decidiu colocar papel de parede, e estivemos a ajudar. Lembro quando meus pais se cansaram do papel e o removemos para voltar a pintar. Lembro que nos deixou escolher a cor dos quartos, mesmo quando a cor escolhida lhe parecia desconexa do resto da casa, mas aceitou, porque eramos uma família. E é isso o que a casa, que hoje meu pai mora com a sua segunda esposa, significa para mim. Aquela casa era meu lar, meu porto de abrigo. Não é um simples imóvel com este ou aquele valor. Porque não há preço a atribuir ao amor que foi colado nesta casa, em todos estes anos. Nunca em momento algum, algum dia pensei que seria proibida de entrar na casa pela esposa do meu pai. Nunca em momento algum eu pensei que um dia, aquele nosso porto de abrigo fosse se desvanecer no ar. Nunca pensei que um dia me ameaçassem fisicamente, se eu tentasse entrar na casa em que eu sou coproprietária com meu pai e minhas irmãs. E isto por quem? Pela esposa do meu pai, que não contente com ter afastado nosso pai de nós, lhe roubou o dinheiro todo da conta e agora prepara se para nos roubar a casa.

Perder a casa é perder as memórias, o porto de abrigo e deitar por terra a família que eramos e que já não somos mais. E perceber que nada é garantido na nossa vida e que até quem nos deveria amar e proteger, pode um dia nos destruir.

Meu pai foi sempre o meu herói, mas já não o é mais. Trouxe um monstro para nossas vidas e por mais que tente não o consigo perdoar. Há quem julgue, quem ache que tudo o que fazemos ou dizemos é porque interesse financeiro, mas não poderiam estar mais errados. Não há dinheiro que pague a família, o amor, a união, o carinho e as memórias de uma vida. 

Nossos dias são agora de tristeza profunda. Meu pai está a cada dia mais debilitado. Não tem mais como se defender. E isso colocou-nos num estado de alerta permanente e na defesa permanente com os atos e ações de quem desconfiamos ter entrado neste casamento por puro interesse financeiro e que lamentavelmente não vai descansar enquanto não nos tirar tudo.

E dentro daquela casa, onde as nossas memórias vivem uma vida própria, ficaram nossas coisas. As roupas da minha mãe. Parte do nosso enxoval, que nunca tiramos porque, sempre achávamos que estava seguro e "um dia destes iriamos buscar". Agora estamos proibidas de o fazer.

Este pesadelo, onde para além de o vivermos na pele, de o sentirmos com a devastação que meu pai causou e por consequência a demência dele causa, está a destruir dia a dia nossa vida e questiono como pode isto acontecer? Uma estranha destruir assim o que tanto custou a construir. Anos de luta, para ficar nas mãos de quem nada fez, a não ser destruir o sonho de uma família.

E eu sei que para muitos é fácil julgar, apontar o dedo, achar que estamos a perseguir, mas quem por lá passa...esses saberão entender o que perdermos e a revolta que é uma constante, o desgaste emocional e a sensação de injustiça que é absolutamente permanente e nos vai destruindo o ser.

domingo, 16 de maio de 2021

A Casa

Eu nasci de um lindo sonho. Um desejo. Foram muitas noite e dias de planeamento, de sacrifico. Comecei a receber as minhas pessoas, ainda estava a meio da minha existência. Com carinho e dedicação fizeram de mim um lar.

Acolhi no meu regaço cinco pessoas, um pai e uma mãe e trouxeram três crianças com eles. Duas adolescentes e uma mais pequena. Acompanhei também o crescimento delas. Elas sentiam em mim um porto de abrigo, e eu sentia nelas o meu futuro.

Um dia, uma a uma das minhas meninas, foram saindo de casa. Vi o pai e a mãe chorarem, não de tristeza, mas de alegria. As miúdas haviam crescido e estavam já umas mulheres. Saíram para começar uma vida, junto de seus maridos, nas suas próprias casas. Os pais ficaram sozinhos. Mas tinham-se um ou outro como sempre acontecera. E logo não tardaram os primeiros netos e eu receber no meu colo aqueles pequenos seres, tão lindos...

Durante muito tempo, as filhas saiam e regressaram. A vida é feita de coisas boas e más e nas más elas sempre procuraram o porto de abrigo. E eu ficava feliz por as ter aqui. Os pais ficavam com o coração apertado, queriam a felicidade delas, e aliviados quando elas superavam e seguiam em frente das más situações.

Mas o que a vida tem de previsível é a sua imprevisibilidade e uma das piores coisas aconteceu. Do nada, num instante, a mãe morre de repente e eu passei por dias negros, cheios de tristeza, choro e sofrimento. Vi as miúdas chorarem, os netos chorarem, o marido chorar...

E foi assim que nunca mais senti alegria por aqui. Os sorrisos apagaram-se, e a tristeza passou a ser permanente. Até há chegada daquela mulher estranha, que passou a habitar aqui. O marido tinha uma nova esposa. As miúdas vieram cada vez menos e eu senti que elas mesmas sentiam, que eu deixara de ser o porto de abrigo. Não me viam mais com seus olhos ternurentos. Eu trazia más lembranças e com a chegada desta estranha a situação piorou.

Com as miúdas ausentes, ficaram os dois aqui e simplesmente deixaram de cuidar de mim. Eu sentia a melancolia que me rondava e o desespero e de certa forma, tornei-me num local de desova de tristeza, solidão, medo e desespero. Aos poucos a nuvem cinzenta imergiu e ficou permanente sob mim. A todo o tempo. Alegria simplesmente nunca mais voltou. 

Hoje sou uma mera coisa, tal como o pai que foi perdendo a noção da sua existência. A estranha não abre minhas janelas, não cuida do meu jardim. Não cuida de mim. Sou um punhado de paredes, sem alma, carregada de teias de aranha, pó e sujidade. Esta estranha, que sabe que eu nunca serei para ela um porto de abrigo, odeia-me tanto, pelo que represento. Eu conto com as minhas pessoas, as que eu vi crescer, para lutar por mim, porque as lembranças continuam presentes na mente e coração de quem realmente me estima. As miúdas sabem o tamanho da batalha que as espera, mas com força e determinação, sobre as lembranças que criaram em crianças, eu sei que elas vão conseguir...

Quero voltar a ser um porto de abrigo. Um lar. Quero voltar a ter amor dentro das minhas portas. Quero que voltem a abrir minhas janelas e que o sol entre e brilhe. Quero voltar a sentir o sorriso e a felicidade em mim. Quero poder dar minha proteção a quem em mim um dia olhou e viu mais do que uma simples casa. A quem um dia percebeu que eu era a realização de um lindo sonho.




terça-feira, 11 de maio de 2021

A Indignidade da Demência

Quando chegaste, eu não percebi. Vieste calma, serena, sem fazer barulho. No mais perfeito silêncio e tranquilidade. Não notei que já cá estavas, senão quando já era tarde demais.

Não consegui por isso lutar contra tua presença e nem sequer argumentar para que visses o que estavas a fazer à minha vida e ires embora. De facto, quando chegas, chegas para ficar, até que se percam todas as memórias, como uma árvore perde suas folhas no outono.

E eu já perdi. Não recordo nada que comigo acorre no presente. De repente, não tenho mais filhos, família. São quase todos estranhos, e ironicamente eu já nem consciência tenho do que é um estranho. Tiraste-me a possibilidade de lutar, pois como um ladrão na noite, tu roubaste meu ser. Estou num mundo só meu, nesta bolha onde hoje vivo, onde nem consciência tenho das coisas mais básicas do dia a dia.

Por vezes, tu dás uma trégua ou outra e eu lá vou fazendo uma normalidade. Lembro-me de que quero comer, ou ir ao wc, ou até mesmo quem são as pessoas que rondam meu lar. Mas são cada dia mais escassas...És pior que a morte, sabias? Porque essa entra e leva-nos para o sono profundo. Mas tu?...Tu apenas nos transportas para esse mundo injusto e indigno que é o esquecimento e a inutilidade. O que é ainda ter um corpo, mas a cabeça não acompanha.

A velhice traz destas coisas, e asseguro-te que também a odeio. A velhice é também cruel e maldosa, porque nos leva o ser. Engana-se quem pensa que a morte é a pior visita que podemos receber nas nossas vidas. Porque não é. 

Tu deixaste-me assim, abandonado, preso numa bolha. Não sei mais sorrir, falar de forma coesa, onde  já nem arrisco ter uma conversa. Passo os meus dias a olhar para o nada. Minha mente é como uma enorme sala vazia, fria e escura. Mas porque fizeste isso comigo?...Não há perdão possível para a tua indignidade, por isso eu desprezo-te. E quando por vezes, a lucidez ilumina minha mente, como um holofote de estádio, e eu dou por mim a questionar, onde anda tua amiga e quando é que ela me pode vir buscar. Porque viver assim não é viver, é uma morte lenta, desconcertante e egoisticamente agradeço por não conseguir perceber o pesadelo para onde arrasto quem de mim cuida, porque não iria aguentar e doí-me não saber agradecer, nem como retirar esse fardo das suas costas.

Agora vai, deixa-me só, prostrado diante da minha insignificância, nesta bolha claustrofóbica e indigna, mas com esperança de que um dia a minha espera termine, e a tua amiga chegue até mim, retirando-te o teu poder, levando-me até minha mãe querida e fazendo de novo as folhas crescer.

  


terça-feira, 20 de abril de 2021

Na lembrança do que foi um dia...

 As voltas que dei na minha cabeça, tentando pôr de lado as emoções e os sentimentos. Tentei sempre colocar  a razão sobre tudo isto, para não ser injusta contigo. Mas não consigo... Não consigo fingir e pôr de lado a dor que sinto e esquecer o sentimento triste que colocaste permanentemente no meu coração. Compreendo que foi tão egoísta a tua decisão, como seria egoísta da minha parte pedir-te para não a tomares. Mas era suposto tu cuidares de nós, não é verdade?

Eu compreendi sempre a tua dor e ouvi tuas justificações. Mesmo não concordando com elas, respeitei as tuas decisões. Afinal era a tua vida, e por mais que eu questionasse porque raio querias tu casar com uma verdadeira estranha, seis meses após a morte da nossa mãe, a verdade é que esperava pelo menos que salvaguardasses a tua família de mais de cinquenta anos.  

Mas não só avançaste sem pensar para a que foi talvez a pior decisão da tua vida, como nos arrastaste para este teu inferno. Deus, como eu gostaria de não me sentir assim e te poder perdoar, mas não consigo…

Não foi só a memória da mãe que tu desrespeitaste, a verdade é que colocaste toda a nossa vida em família no lixo.  A família que tu construíste e que esteve do teu lado durante mais de cinco décadas. Sinto claramente que nos odeias e ressentes, talvez porque, se calhar, na verdade, não nos querias na tua vida, apenas não largavas a nossa mãe, usava-la como se fosse um bem teu e não uma esposa, um ser humano e ela acabava grávida. Quando hoje, adulta, analiso todo o passado, dentro dos meus 47 anos, vejo o enorme preço que estamos a pagar, por simplesmente ser tua filha. 

Não consigo conter as lágrimas, cada vez que volto ao passado. E são as lembranças mais simples que magoam mais. Frequentemente penso naquela, em que todos juntos estivemos a pintar a zona da escadaria. Estávamos tão felizes... A rádio tocava músicas diversas e cantávamos os cinco, a mãe tinha o cabelo todo pintado a certa altura e nós riamos tão descontraídos... Quando hoje subo aquelas escadas e toco nas paredes que pintamos naquela tarde, sentindo ainda a nossa mãe ali, pergunto como pudeste tu colocar uma estranha dentro da nossa casa e deixar que ela a destruísse?

Não posso esquecer, não consigo mais fingir que está tudo bem e de forma consciente eu vou-me afastar. Tu estás com demência e precisas de ajuda, compreendo isso, mas a verdade foi que nunca avaliaste o teu futuro e quem de facto estavas a levar para dentro de casa. Se ela ia de facto zelar pelo teu bem-estar e cuidar de ti dignamente. Se há alguém que tem de pagar por tuas decisões és tu mesmo. A lei não nos reconhece poder algum como tuas filhas e ao que parece não temos como tirar aquele ser nefasto lá de casa e das nossas vidas, simplesmente porque tu casaste cegamente com uma estranha, com personalidade manipuladora, mentirosa e totalmente hipócrita. Deus como foste burro pai...

Quase morreste por negligência dela, roubou-te todo o dinheiro da tua conta para pagar as dívidas da filha dela e ainda entrega o cartão de MB da tua conta à filha para que ela usufruísse livremente da tua reforma. Tua alimentação foi meia chávena de chá e bolachas de água e sal durante meses a fio, fora o atum com tudo e com todos que comias, porque a tua esposa e a filha dela roubavam teu dinheiro. Se não fossemos nós pai, a por um travão a toda aquela injustiça, onde estarias tu hoje?

Então, de consciência limpa e segura da minha decisão, mas com um enorme pesar no peito e no coração, eu afasto-me. Tu abandonaste-nos mas mesmo assim viemos socorrer-te, mas quando a lei nos põe de lado, quando continua a dar à tua esposa o poder e não consegue perceber o bem que temos feito, porque ninguém vai amar e cuidar de ti como nós… Nada mais resta então, a não ser que sejas tu meu querido pai que pagues o preço, pelo que tu mesmo contrataste.

E como se não fosse já grave o que aconteceu às mãos de quem escolheste para casar, ter a noção de que outros vão viver na casa que construíste para nós tua família, outros vão usufruir do teu suor e lágrimas, do suor e lágrimas da nossa mãe e nossas também. Outros, estranhos, que em nada contribuíram para o que conseguiste, junto com tua família, edificar, vão usufruir e lambuzar. Depois de tudo o que já fizeram para te roubar e prejudicar. E a lei não vê nada disto… Porque foi assim que tu decidiste, porque foi assim que a lei decidiu. E as nossas forças pai, só aguentam até um ponto… Então que a vida te dê, meu pai, o que tu mereces dela.

E quem diria que serias tu meu querido pai, a causar o maior sofrimento na minha vida...

Lembra-te de mim

Guarda-me nas tuas memórias. Acolhe-me nos teus braços serenos com carinho. Eu sou a estrela que contínua a brilhar alto no céu, e que de ma...