segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Família


Tem coisas na vida que por vezes não valorizamos o suficiente. Sobre a minha perspectiva, a minha família sempre esteve lá por mim. Quase tão natural como respirar. E talvez por isso, por ser tão natural, eu sempre a dei como garantida. O amor que nos unia e que de certa forma ainda nos une é maior do que qualquer quezila que ocorra. Mas dei como garantida todos estes anos, porque eu sempre senti o amor que havia. Senti...até ao dia em que minha mãe morreu. Desde esse dia, a família transformou-se em algo que ainda hoje tento assimilar e entender, para qualificar, mas que não consigo. Minha mãe era o pilar principal. Educou-nos com amor, e com amor fez-nos relativizar o que não era importante, dando sempre prioridade aos laços, à moral, à humildade e aos sentimentos. Eu e minhas irmãs guardamos para nós esses laços profundos que nos une desde crianças e que unanimemente prometemos à nossa mãe que assim o faríamos, ainda que por vezes discordemos de algo. 

Mas meu pai...meu pai cortou esses laços. Ainda hoje não o consigo entender. Por mais que tente aceitar que ele tinha todo o direito de refazer a vida dele como desejasse, não consigo afastar a noção que egoisticamente ele cortou os laços que nos unia. Desrespeitou a memória de nossa mãe e deu poder a alguém que hoje não tenho palavras para qualificar. Só me ocorre caus...porque foi só isso que trouxe para nossas vidas...caus.

É então que o entendimento do conflito, a dor que as decisões de um pode influenciar a vida de outros, toma outra dimensão. No passado questionei meu ex-marido como poderia ele construir algo sobre ruinas, quando o via andar de relacionamento em relacionamento. Ele não me respondeu. 

Como podemos reparar algo cujos pilares foram fortemente danificados e estão frágeis? Podemos construir nossa felicidade sobre a infelicidade de outros? E no entanto, teremos nós o direito de travar a felicidade de quem a procura?

É nesta fase da minha vida, com 46 anos de idade e com pesar no meu peito, percebo que a minha família, aquela que eu tinha como garantida não a tenho mais. Minha mãe morreu e nesse dia levou meu pai com ela. Aquele que ficou cá não honrou mais seu papel, não respeitou os seres que colocou no mundo e que com muito amor no coração o considerava um herói. 

Percebo agora que era apenas um homem miudinho, cuja dor e sacríficos que teve na vida, sobrepôs-se às alegrias de família. Das risadas das suas crianças, do sorriso cândido e o amor incondicional de nossa mãe para com ele. O respeito e admiração. Ele deixou morrer tudo isso e ficou um ressentimento por algo que não sei sequer entender, mas que é só assim que vejo, por forma a assimilar o porquê de casar de forma tão precipitada com alguém que não conhecia de lado algum e a ela entregar sua vida e seus bens. Foi cego e tristemente compreendo o quanto foi burro. A pequenez de sentimentos ou até a falta deles não o fez ver a razão e a lógica e deixou-se levar pela estupidez.

Apesar de tudo, estou grata por minhas irmãs, rochas sólidas de amor incondicional. Estamos unidas agora mais do que nunca, por um amor maior que aquele que nos une por sermos filhas do mesmo pai e da mesma mãe. Algo maior que o sangue une estas três guerreiras e no nosso pensamento está nossa querida mãe. Todos os dias em nossa vida.

E esta é agora a família que fica. A que realmente conta. Que acalenta o coração e que ninguém ousará mais quebrar. E por essa família que ficou eu estou imensamente grata.

Lembra-te de mim

Guarda-me nas tuas memórias. Acolhe-me nos teus braços serenos com carinho. Eu sou a estrela que contínua a brilhar alto no céu, e que de ma...