segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Quando o que era não é mais…


Outrora havia certeza. Um caminhar firme e decidido. Havia um pôr de sol tranquilo e sereno. Havia aquela sensação de leveza e quietude. Estava feliz, tranquila e tudo à minha volta parecia estar a recompor. Aceitei o que de mau a vida me trouxe e aprendi com isso. Afinal não há mais nada a retirar de todas as passagens que nos causam tanta dor, a não ser o facto de que passamos por tudo aquilo, para evoluir, para ficar mais resiliente e perceber qual o nosso caminho não é verdade?

Então lá segui eu, firme e decidida. Com minhas convicções, de coração sereno nas minhas decisões de vida. E feliz.

Até que a vida resolveu trazer o mal do passado de volta à luz do dia. Aquele mal sujo, nojento, asqueroso, monstruoso, que eu coloquei num baú, e guardei na arrecadação da memória, para que não o tivesse de ver mais. Mas porque raio é que eu teria de o voltar a ver? Porque me trouxe a vida, este mal de volta?

Lá veio tudo e com isso tudo, um punhado de mais coisas más, daquelas que pensamos e nem queremos que nos apareça. Mas ei-la aqui. A Maldade. Rainha e senhora, para me mostrar que todo o mal tem um fim, mas que também toda a felicidade um dia termina. Ou não fosse a vida feita de ciclos…

Lá veio ela, e com ela terminou a minha serenidade. Já não caminho mais firme e decidida e neste momento, a sensação de inquietude é constante. Não consigo mais ser feliz, e aquela sensação de leveza, abandonou a minha mente e coração. Ando preocupada demais, ando com medo demais. Ando perdida num meio de uma tempestade de areia, onde não vejo um palmo à minha frente. Mal consigo respirar e luto, para sair dali, mas ainda não consegui. Já não sei ser simpática, afável, positiva, com nada nem com ninguém. Estou esgotada…

Porque raio, a vida me trouxe aqui de novo? O que ganho eu em saber que para além de tudo o que passei, mais mentiras e mais falsidades rondavam aquele ser que tanto amei, a ponto de perceber que toda, mas absolutamente toda a minha vida com ele foi uma mentira. Porque todo aquele tempo, o Júlio vivia uma vida que não era a que queria. Porque todo ele queria estar num outro lugar, com outra pessoa e não comigo, não com qualquer mulher. Todas as que se seguiam, eram uma continuidade de um fingimento. Júlio não amava, não desejava verdadeiramente as mulheres, Júlio tinha medo da sua condição e refugiava-se num relacionamento heterossexual, porque tinha medo sequer da ideia de se assumir. E nesta sentido, eu, as duas anteriores esposas e mais umas quantas idiotas, que acham que ele as amava, estávamos todas enganadas. E eis que a maldade veio sob a forma de um rapaz que se sentia diferente, mas que por causa de uma autoridade atroz de um pai violento, aquele rapaz fugiu aos seus desejos e fez o que qualquer rapaz faria com medo de viver o diferente.

O Júlio negou-se a si mesmo e começou a viver a vida que a sociedade tinha projetado parta ele. Iria casar, ser pai e blá, blá, blá… mas o peso foi demasiado grande e viver o que não lhe estava no coração, era demasiado penoso. Ele tentou mas não conseguiu. Tentou de mais a meu ver. Nosso relacionamento já seria algo que ele jamais deveria ter tentado. Mas quis a vida que ele o fizesse e aqui estou agora. Eu compreendo a luta que deve ter travado consigo mesmo. Compreendo o medo que sentiu. Mas não consigo mais sequer ter respeito por ele.

Mesmo já não estando cá entre os vivos, o Júlio foi um homem que se tornou numa versão fria, distante, cruel de um ser humano que a vida “castigava” todos os dias por ser diferente e ele enganava por seu lado todos aqueles que à sua volta viviam. Era o perfeito ator. Moldando-se a cada nova aventura, relação. Era o príncipe encantado, o homem vigoroso, o macho latino, com sotaque espanhol, que nos derretia ouvir falar. Era atraente e eloquente. Era astuto, e inteligente. Parecia sólido, mas a verdade é que não o era. Era um homem triste, que tentava manter-se à tona da água e a busca contínua de ser feliz, mas nunca lá chegava. Nem chegou… Passou como um tsunami na vida das pessoas e morreu, deixando apenas saudade a uma criança que a seu olhos era o pai perfeito. Mas no geral, deixou tudo devastado, frio e triste. Deixou um ar petrificado, poluente como Chernobyl. 

E ele não conseguiu ser feliz, nem quando a Beatriz entrou nas nossas vidas. Nem quando foi um pai, mais presente e diferente com a nossa filha. Júlio não sabia ser feliz. Não consegui. Nem com as pequenas coisas da vida, aquelas que a tornam válida e bonita.

E quanto a mim? Bem, quanto a mim, tudo isto causou a abertura de uma nova ferida. Uma diferente daquela que sentira no passado. Não tenho palavras para descrever o que esta situação faz à vida de alguém. O que esta vida de mentira nos transforma, pois cada carinho era falso, cada ato de amor era falso… E por mais que tente e lute, esta inquietude fica e por mais que seja guerreira, está a ser difícil sair dela. Não a entendo. À inquietude. Estou sem paciência para aturar as pessoas e seu males. Estou sem paciência para ser sempre a boazinha, e aturar merdas de tudo e de todos. A verdade é que sinto-me diferente e esta diferença empurra para um lugar, que eu não consigo ver com claridade o caminho. E ando com medo. Sinto uma tristeza permanente. Hipotequei a minha vida, no dia em que aquele ser me convidou para jantar e eu aceitei.

Lá diz a Ophra, que quando não sabemos o que fazer, devemos ficar quietos e aguardar. Mas já estou quieta assim, a aguardar que o universo fale comigo, desde 2014. Aguardo como uma sequiosa que a serenidade volte. Que a tranquilidade volte a mim, como uma brisa suave de fim de tarde, num dia lindo de verão.

Caricato é que, hoje, ao sair do metro, e ao subir as escadas, com tantas outras pessoas que regressam ao trabalho, percebi que estou robotizada.

Não seria de supor que um humano vira-se robô, quando o que a ciência pretende é que um robô vire humano, certo?...

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