segunda-feira, 5 de julho de 2021

Só entende quem por lá passa...

Frequentemente julgamos os outros. Não o fazemos por mal, mas ao ouvir a descrição de uma situação ou acontecimento, temos tendência a julgar. Mas a meu entender, só quem passa verdadeiramente por coisas similares é que consegue realmente perceber.

Consegue sentir a dor e a emoção que envolve determinado tema ou acontecimento. Consegue não julgar apesar de por vezes o que se ouve ou se vê encaminhe para outro lado.

Houve várias tribulações na minha vida. Houve doença, um divorcio atribulado, a morte da minha mãe, o segundo casamento do meu pai e agora a situação em que ele se colocou e nos arrastou pelo meio. Sem dúvida que estas tribulações tiveram um impacto negativo na pessoa que hoje sou e cada uma delas tiveram um peso diferente na minha vida. A morte da minha mãe foi sem dúvida o que pior passei até hoje e não sou das que pensa que as desgraças acontecem só aos outros. Eu sei que o futuro pode ser ainda muito risonho ou nem por isso, mas sei que tenho de seguir em frente.

Mas, mesmo assim, no meio das tribulações tive tantas alegrias, o nascimento da minha filha sendo a maior delas. Sou tão grata ao universo por a ter.

Muitas dessas alegrias, vieram com o facto de ter crescido numa família unida. Numa mãe que sempre esteve presente e jamais deixou que cada uma de nós se sentisse menos amada por ela. Jamais.

Meu pai, esteve mais ausente, mas porque queria dar uma vida diferente e mais digna à sua família. Meu pai e minha mãe sonharem com uma vida mais estável financeiramente e quando meu pai comprou o terreno onde hoje está nossa casa de família teria eu talvez uns cinco a seis anos, minha mãe ficou tão feliz. Aos poucos idealizaram a casa e construíram tijolo a tijolo sozinhos. Aos fins de semana íamos para lá ajudar. Eu era pequena demais, mas minhas irmãs trabalharam lá imenso. A casa demorou imenso tempo a estar como está hoje, longe ainda de a considerar concluída. 

Fomos para lá morar num dia frio de inverno. Era de noite quando meu pai chegou com um camião e nos levou aos cinco para lá. Não tínhamos luz ainda, não tínhamos a casa pintada, nem no exterior, nem no interior, não havia sequer parapeitos nas janelas. As escadas para o andar de cima, não tinha corrimão e recordo da preocupação do meu pai em dizer-nos para subir e descer encostadas à parede para não haver perigo de cair. Aos poucos, todos juntos fomos criando um lar. Minha mãe, eu e minha irmãs, ficamos na casa a compor as coisas, enquanto meu pai tentava mantermos à tona da água financeiramente, trabalhando como emigrante na Suíça. 

Sempre que regressava meu pai maravilhava-se com os desenvolvimentos que fazíamos na casa. As cortinas, a decoração, os móveis. Meu pai quando vinha de férias vinha para um lar, que orgulhosamente sabia ser seu e da sua família. Quando estava connosco, pintávamos a casas; recordo quando meu pai decidiu colocar papel de parede, e estivemos a ajudar. Lembro quando meus pais se cansaram do papel e o removemos para voltar a pintar. Lembro que nos deixou escolher a cor dos quartos, mesmo quando a cor escolhida lhe parecia desconexa do resto da casa, mas aceitou, porque eramos uma família. E é isso o que a casa, que hoje meu pai mora com a sua segunda esposa, significa para mim. Aquela casa era meu lar, meu porto de abrigo. Não é um simples imóvel com este ou aquele valor. Porque não há preço a atribuir ao amor que foi colado nesta casa, em todos estes anos. Nunca em momento algum, algum dia pensei que seria proibida de entrar na casa pela esposa do meu pai. Nunca em momento algum eu pensei que um dia, aquele nosso porto de abrigo fosse se desvanecer no ar. Nunca pensei que um dia me ameaçassem fisicamente, se eu tentasse entrar na casa em que eu sou coproprietária com meu pai e minhas irmãs. E isto por quem? Pela esposa do meu pai, que não contente com ter afastado nosso pai de nós, lhe roubou o dinheiro todo da conta e agora prepara se para nos roubar a casa.

Perder a casa é perder as memórias, o porto de abrigo e deitar por terra a família que eramos e que já não somos mais. E perceber que nada é garantido na nossa vida e que até quem nos deveria amar e proteger, pode um dia nos destruir.

Meu pai foi sempre o meu herói, mas já não o é mais. Trouxe um monstro para nossas vidas e por mais que tente não o consigo perdoar. Há quem julgue, quem ache que tudo o que fazemos ou dizemos é porque interesse financeiro, mas não poderiam estar mais errados. Não há dinheiro que pague a família, o amor, a união, o carinho e as memórias de uma vida. 

Nossos dias são agora de tristeza profunda. Meu pai está a cada dia mais debilitado. Não tem mais como se defender. E isso colocou-nos num estado de alerta permanente e na defesa permanente com os atos e ações de quem desconfiamos ter entrado neste casamento por puro interesse financeiro e que lamentavelmente não vai descansar enquanto não nos tirar tudo.

E dentro daquela casa, onde as nossas memórias vivem uma vida própria, ficaram nossas coisas. As roupas da minha mãe. Parte do nosso enxoval, que nunca tiramos porque, sempre achávamos que estava seguro e "um dia destes iriamos buscar". Agora estamos proibidas de o fazer.

Este pesadelo, onde para além de o vivermos na pele, de o sentirmos com a devastação que meu pai causou e por consequência a demência dele causa, está a destruir dia a dia nossa vida e questiono como pode isto acontecer? Uma estranha destruir assim o que tanto custou a construir. Anos de luta, para ficar nas mãos de quem nada fez, a não ser destruir o sonho de uma família.

E eu sei que para muitos é fácil julgar, apontar o dedo, achar que estamos a perseguir, mas quem por lá passa...esses saberão entender o que perdermos e a revolta que é uma constante, o desgaste emocional e a sensação de injustiça que é absolutamente permanente e nos vai destruindo o ser.

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