Consegue sentir a dor e a
emoção que envolve determinado tema ou acontecimento. Consegue não julgar
apesar de por vezes o que se ouve ou se vê encaminhe para outro lado.
Houve várias tribulações na
minha vida. Houve doença, um divorcio atribulado, a morte da minha mãe, o
segundo casamento do meu pai e agora a situação em que ele se colocou e nos
arrastou pelo meio. Sem dúvida que estas tribulações tiveram um impacto negativo
na pessoa que hoje sou e cada uma delas tiveram um peso diferente na minha
vida. A morte da minha mãe foi sem dúvida o que pior passei até hoje e não sou
das que pensa que as desgraças acontecem só aos outros. Eu sei que o futuro
pode ser ainda muito risonho ou nem por isso, mas sei que tenho de seguir em
frente.
Mas, mesmo assim, no meio das
tribulações tive tantas alegrias, o nascimento da minha filha sendo a maior
delas. Sou tão grata ao universo por a ter.
Muitas dessas alegrias, vieram
com o facto de ter crescido numa família unida. Numa mãe que sempre esteve presente
e jamais deixou que cada uma de nós se sentisse menos amada por ela. Jamais.
Meu pai, esteve mais ausente,
mas porque queria dar uma vida diferente e mais digna à sua família. Meu pai e
minha mãe sonharem com uma vida mais estável financeiramente e quando meu pai
comprou o terreno onde hoje está nossa casa de família teria eu talvez uns
cinco a seis anos, minha mãe ficou tão feliz. Aos poucos idealizaram a casa e construíram
tijolo a tijolo sozinhos. Aos fins de semana íamos para lá ajudar. Eu era
pequena demais, mas minhas irmãs trabalharam lá imenso. A casa demorou imenso
tempo a estar como está hoje, longe ainda de a considerar concluída.
Fomos para lá morar num dia
frio de inverno. Era de noite quando meu pai chegou com um camião e nos levou
aos cinco para lá. Não tínhamos luz ainda, não tínhamos a casa pintada, nem no exterior,
nem no interior, não havia sequer parapeitos nas janelas. As escadas para o
andar de cima, não tinha corrimão e recordo da preocupação do meu pai em dizer-nos
para subir e descer encostadas à parede para não haver perigo de cair. Aos
poucos, todos juntos fomos criando um lar. Minha mãe, eu e minha irmãs, ficamos
na casa a compor as coisas, enquanto meu pai tentava mantermos à tona da água financeiramente,
trabalhando como emigrante na Suíça.
Sempre que regressava meu pai maravilhava-se
com os desenvolvimentos que fazíamos na casa. As cortinas, a decoração, os móveis.
Meu pai quando vinha de férias vinha para um lar, que orgulhosamente sabia ser
seu e da sua família. Quando estava connosco, pintávamos a casas; recordo
quando meu pai decidiu colocar papel de parede, e estivemos a ajudar. Lembro quando
meus pais se cansaram do papel e o removemos para voltar a pintar. Lembro que
nos deixou escolher a cor dos quartos, mesmo quando a cor escolhida lhe parecia
desconexa do resto da casa, mas aceitou, porque eramos uma família. E é isso o
que a casa, que hoje meu pai mora com a sua segunda esposa, significa para mim.
Aquela casa era meu lar, meu porto de abrigo. Não é um simples imóvel com este
ou aquele valor. Porque não há preço a atribuir ao amor que foi colado nesta
casa, em todos estes anos. Nunca em momento algum, algum dia pensei que seria
proibida de entrar na casa pela esposa do meu pai. Nunca em momento algum eu
pensei que um dia, aquele nosso porto de abrigo fosse se desvanecer no ar.
Nunca pensei que um dia me ameaçassem fisicamente, se eu tentasse entrar na
casa em que eu sou coproprietária com meu pai e minhas irmãs. E isto por quem?
Pela esposa do meu pai, que não contente com ter afastado nosso pai de nós, lhe
roubou o dinheiro todo da conta e agora prepara se para nos roubar a casa.
Perder a casa é perder as memórias,
o porto de abrigo e deitar por terra a família que eramos e que já não somos
mais. E perceber que nada é garantido na nossa vida e que até quem nos deveria
amar e proteger, pode um dia nos destruir.
Meu pai foi sempre o meu herói,
mas já não o é mais. Trouxe um monstro para nossas vidas e por mais que tente não
o consigo perdoar. Há quem julgue, quem ache que tudo o que fazemos ou dizemos
é porque interesse financeiro, mas não poderiam estar mais errados. Não há dinheiro
que pague a família, o amor, a união, o carinho e as memórias de uma
vida.
Nossos dias são agora de tristeza
profunda. Meu pai está a cada dia mais debilitado. Não tem mais como se
defender. E isso colocou-nos num estado de alerta permanente e na defesa permanente
com os atos e ações de quem desconfiamos ter entrado neste casamento por puro interesse
financeiro e que lamentavelmente não vai descansar enquanto não nos tirar tudo.
E dentro daquela casa, onde as
nossas memórias vivem uma vida própria, ficaram nossas coisas. As roupas da
minha mãe. Parte do nosso enxoval, que nunca tiramos porque, sempre achávamos
que estava seguro e "um dia destes iriamos buscar". Agora estamos
proibidas de o fazer.
Este pesadelo, onde para além
de o vivermos na pele, de o sentirmos com a devastação que meu pai causou e por
consequência a demência dele causa, está a destruir dia a dia nossa vida e questiono
como pode isto acontecer? Uma estranha destruir assim o que tanto custou a
construir. Anos de luta, para ficar nas mãos de quem nada fez, a não ser
destruir o sonho de uma família.
E eu sei que para muitos é fácil julgar, apontar o dedo, achar que estamos a perseguir, mas quem por lá passa...esses saberão entender o que perdermos e a revolta que é uma constante, o desgaste emocional e a sensação de injustiça que é absolutamente permanente e nos vai destruindo o ser.
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