Não consegui por isso lutar contra tua presença e nem sequer argumentar para que visses o que estavas a fazer à minha vida e ires embora. De facto, quando chegas, chegas para ficar, até que se percam todas as memórias, como uma árvore perde suas folhas no outono.
E eu já perdi. Não recordo nada que comigo acorre no presente. De repente, não tenho mais filhos, família. São quase todos estranhos, e ironicamente eu já nem consciência tenho do que é um estranho. Tiraste-me a possibilidade de lutar, pois como um ladrão na noite, tu roubaste meu ser. Estou num mundo só meu, nesta bolha onde hoje vivo, onde nem consciência tenho das coisas mais básicas do dia a dia.
Por vezes, tu dás uma trégua ou outra e eu lá vou fazendo uma normalidade. Lembro-me de que quero comer, ou ir ao wc, ou até mesmo quem são as pessoas que rondam meu lar. Mas são cada dia mais escassas...És pior que a morte, sabias? Porque essa entra e leva-nos para o sono profundo. Mas tu?...Tu apenas nos transportas para esse mundo injusto e indigno que é o esquecimento e a inutilidade. O que é ainda ter um corpo, mas a cabeça não acompanha.
A velhice traz destas coisas, e asseguro-te que também a odeio. A velhice é também cruel e maldosa, porque nos leva o ser. Engana-se quem pensa que a morte é a pior visita que podemos receber nas nossas vidas. Porque não é.
Tu deixaste-me assim, abandonado, preso numa bolha. Não sei mais sorrir, falar de forma coesa, onde já nem arrisco ter uma conversa. Passo os meus dias a olhar para o nada. Minha mente é como uma enorme sala vazia, fria e escura. Mas porque fizeste isso comigo?...Não há perdão possível para a tua indignidade, por isso eu desprezo-te. E quando por vezes, a lucidez ilumina minha mente, como um holofote de estádio, e eu dou por mim a questionar, onde anda tua amiga e quando é que ela me pode vir buscar. Porque viver assim não é viver, é uma morte lenta, desconcertante e egoisticamente agradeço por não conseguir perceber o pesadelo para onde arrasto quem de mim cuida, porque não iria aguentar e doí-me não saber agradecer, nem como retirar esse fardo das suas costas.
Agora vai, deixa-me só, prostrado diante da minha insignificância, nesta bolha claustrofóbica e indigna, mas com esperança de que um dia a minha espera termine, e a tua amiga chegue até mim, retirando-te o teu poder, levando-me até minha mãe querida e fazendo de novo as folhas crescer.
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