Eu compreendi sempre a tua dor e ouvi tuas justificações. Mesmo não concordando com elas, respeitei as tuas decisões. Afinal era a tua vida, e por mais que eu questionasse porque raio querias tu casar com uma verdadeira estranha, seis meses após a morte da nossa mãe, a verdade é que esperava pelo menos que salvaguardasses a tua família de mais de cinquenta anos.
Mas não só avançaste sem pensar para a que foi talvez a pior decisão da tua vida, como nos arrastaste para este teu inferno. Deus, como eu gostaria de não me sentir assim e te poder perdoar, mas não consigo…
Não foi só a memória da mãe que tu desrespeitaste, a verdade é que colocaste toda a nossa vida em família no lixo. A família que tu construíste e que esteve do teu lado durante mais de cinco décadas. Sinto claramente que nos odeias e ressentes, talvez porque, se calhar, na verdade, não nos querias na tua vida, apenas não largavas a nossa mãe, usava-la como se fosse um bem teu e não uma esposa, um ser humano e ela acabava grávida. Quando hoje, adulta, analiso todo o passado, dentro dos meus 47 anos, vejo o enorme preço que estamos a pagar, por simplesmente ser tua filha.
Não consigo conter as lágrimas, cada vez que volto ao passado. E são as lembranças mais simples que magoam mais. Frequentemente penso naquela, em que todos juntos estivemos a pintar a zona da escadaria. Estávamos tão felizes... A rádio tocava músicas diversas e cantávamos os cinco, a mãe tinha o cabelo todo pintado a certa altura e nós riamos tão descontraídos... Quando hoje subo aquelas escadas e toco nas paredes que pintamos naquela tarde, sentindo ainda a nossa mãe ali, pergunto como pudeste tu colocar uma estranha dentro da nossa casa e deixar que ela a destruísse?
Não posso esquecer, não consigo mais fingir que está tudo bem e de forma consciente eu vou-me afastar. Tu estás com demência e precisas de ajuda, compreendo isso, mas a verdade foi que nunca avaliaste o teu futuro e quem de facto estavas a levar para dentro de casa. Se ela ia de facto zelar pelo teu bem-estar e cuidar de ti dignamente. Se há alguém que tem de pagar por tuas decisões és tu mesmo. A lei não nos reconhece poder algum como tuas filhas e ao que parece não temos como tirar aquele ser nefasto lá de casa e das nossas vidas, simplesmente porque tu casaste cegamente com uma estranha, com personalidade manipuladora, mentirosa e totalmente hipócrita. Deus como foste burro pai...
Quase morreste por negligência dela, roubou-te todo o dinheiro da tua conta para pagar as dívidas da filha dela e ainda entrega o cartão de MB da tua conta à filha para que ela usufruísse livremente da tua reforma. Tua alimentação foi meia chávena de chá e bolachas de água e sal durante meses a fio, fora o atum com tudo e com todos que comias, porque a tua esposa e a filha dela roubavam teu dinheiro. Se não fossemos nós pai, a por um travão a toda aquela injustiça, onde estarias tu hoje?
Então, de consciência limpa e segura da minha decisão, mas com um enorme pesar no peito e no coração, eu afasto-me. Tu abandonaste-nos mas mesmo assim viemos socorrer-te, mas quando a lei nos põe de lado, quando continua a dar à tua esposa o poder e não consegue perceber o bem que temos feito, porque ninguém vai amar e cuidar de ti como nós… Nada mais resta então, a não ser que sejas tu meu querido pai que pagues o preço, pelo que tu mesmo contrataste.
E como se não fosse já grave o que aconteceu às mãos de quem escolheste para casar, ter a noção de que outros vão viver na casa que construíste para nós tua família, outros vão usufruir do teu suor e lágrimas, do suor e lágrimas da nossa mãe e nossas também. Outros, estranhos, que em nada contribuíram para o que conseguiste, junto com tua família, edificar, vão usufruir e lambuzar. Depois de tudo o que já fizeram para te roubar e prejudicar. E a lei não vê nada disto… Porque foi assim que tu decidiste, porque foi assim que a lei decidiu. E as nossas forças pai, só aguentam até um ponto… Então que a vida te dê, meu pai, o que tu mereces dela.
E quem diria que serias tu meu querido pai, a causar o maior sofrimento na minha vida...
2 comentários:
Não deixo de perceber que um problema grave está a passar com seu pai. Já me questionava como andariam as coisas.Venho sempre ler o que escreve. Pro vezes as pessoas tomam decisões por medo e acabam por cometer graves erros. Creio que foi esse o erro do seu pai. Casou por medo talvez de ficar sozinho e não ter alguém para cuidar dele. Mas compreendo quando diz que ele deveria cuidar dos seus, salvaguardar algo que construiu numa outra vida. Não parece justo e acredito que deve doer muito entrar na casa e sentir a vossa mãe, com outra mulher lá dentro. Vou rezar por vocês e que tudo acabe por correr bem. Muita força.
Vim parar aqui por acaso, mas não deixei de sentir a mesma tristeza ao ler, pois tenho uma situação idêntica. Meus pais divorciaram-se, para o meu pai casar novamente, obrigou a minha mãe sair de casa porque era dele de herança do meu avo e minha mãe teve de começar do zero. Agora estamos afastados, pois não conseguimos lidar com a nova mulher do meu pai. E eu também não o perdoo. Como se pode perdoar um acto egoísta de alguém, causando tanta dor a outros? E como diz, é tão egoísta a decisão do meu pai, ainda que sendo um direito que tem, como é egoísta do meu lado não querer que meu pai seja feliz, mas eu pergunto, pode-se ser feliz, causando a infelicidade dos outros? Eu creio que não.
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